"Um só Natal para Todos". O lema do Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da Câmara Municipal do Porto pretende-se uno nos princípios e o mais vasto possível nos fins. E foi por lá, pela Rua Alves Redol, que passaram esta quarta-feira centenas de cidadãos carenciados da cidade, por uma refeição e, sobretudo, pelo suplemento de alma natalício.
"É um sinal de conforto e atenção às pessoas mais necessitadas", sublinhou Gouveia Santos, presidente do Porto - CCDT, a associação de trabalhadores da Câmara, que organizou o jantar pelo 14.º ano seguido, com a ajuda de grupos beneméritos e de uma equipa de cerca de meia centena de voluntários, entre sócios do CCDT e funcionários municipais, que trataram da confeção das refeições, numa cozinha improvisada nas instalações da associação.
Não foi a celebração à mesa das 12 primeiras vezes, que juntava entre 800 e 900 pessoas no pavilhão desportivo do CCDT, e desta vez as restrições sanitárias impuseram a entrega das refeições em "kits". Já no ano passado, a pandemia obrigou à organização de um jantar mais ambulante, ao ar livre, no adro da igreja paroquial de Nossa Senhora da Conceição, à Praça do Marquês de Pombal.
A sobrevivência com 189,60 euros
Na fila para as refeições, uma cara de poema, Maria Amélia Cardoso. Tripeira de gema, de Miragaia, apresenta-se como "desalojada da ponte do Infante". Vive agora em Rio Tinto, com o rendimento mínimo estimado à centésima, em 189,60 euros. Ela, "mãe solteira", e mais quatro filhos, todos também beneficiários do RSI. Prestes a completar 62 anos, precisamente a 25 de dezembro, não teve qualquer lucro com o sortilégio do berço e trava um combate diário pela sobrevivência. Passou um par de horas na fila, "mas valeu a pena".
"Não foi como há dois anos, quando vim cá e jantámos todos aqui no pavilhão do CCDT. Nesse dia, comi, bebi, dancei...", recordou Maria Amélia, já com as refeições para a família. Batatas, couves, ovos cozidos e bacalhau, para se dar largas à tradição, e um "kit" mais frugal - sandes de queijo e de fiambre, uma água e um iogurte -, mas igualmente bem agradecido. "Bendito seja quem nos ajuda", afirma uma jovem na fila, cara enrolada a um cachecol, por tépidos 12 graus Celsius. Pediu anonimato, vergada pelo embaraço social.
"Este é o 14.º ano consecutivo que levamos a cabo esta iniciativa. Sempre com o redobrado reconforto de se saber que estamos a fazer bem às pessoas. É a nossa responsabilidade social. Temos de ser o Porto solidário que nos caracteriza, sobretudo nesta época, em que há pessoas com muitas necessidades, que passam fome. As filas começaram ao fim da manhã e continuaram até ao fim do dia", verificou o presidente do Porto - CCDT.
"Só dignifica o trabalho extraordinário do CCDT. Enche-nos de orgulho, ainda mais neste contexto de pandemia", disse Cristina Pimentel, vereadora da Câmara responsável pela pasta da Ação Social.
560 cidadãos sem teto na cidade
No inquérito de caracterização das pessoas em situação de sem-abrigo, relativo a 2020, o programa da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo identificou no Porto 560 cidadãos em diferentes tipologias de sem-abrigo e em diversos quadros, tais como as 420 pessoas sem casa mas em alojamentos municipais ou os 140 cidadãos sem teto, sem domicílio fixo, condenados à sua sorte e a um destino de todas as privações e precariedades.
O grupo destes sem-abrigo (sobrevivem em jardins, viadutos, estações de transportes públicos e outros locais precários, como automóveis abandonados, vãos de escadas ou casas devolutas) inclui homens e mulheres - na maioria homens, entre os 45 e os 64 anos - em total errância, muitos deles desinteressados pelos planos de reintegração social. Outros, seis dezenas deles, foram identificados, selecionados, alojados e integrados no projeto municipal de apoio à reinserção socioprofissional.
"Dar a cana e ensinar a pescar"
Financiado pela Câmara (200 mil euros), o projeto "Porto Sentido - Habitação, Capacitação, Reinserção" tem um valor global de 700 mil euros e é também comparticipado pelo Fundo Fundo Social Europeu. Foi iniciado ainda em 2020 e surgiu "de modo a incentivar autonomia [dos sem-abrigo] no processo de transição plena para a vida ativa".
O projeto conta com a parceria de várias entidades e instituições, como a SAOM - Serviços de Assistência Organizações de Maria, e tem como mote "Dar a cana e ensinar a pescar". Disponibiliza alojamento em residências disponibilizadas pela Câmara e pela Santa Casa da Misericórdia do Porto e em apartamentos especificamente arrendados para este programa de reinserção social.
Em cursos de ano e meio, que serão ministrados até finais de 2022, os beneficiários frequentam ações de formação e capacitação. Foram selecionados de acordo com o seu grau de motivação e de predisposição para uma mudança de vida, considerando que o objetivo do programa é conseguir que abandonem definitivamente a condição de sem-abrigo ou sem-teto e que adquiram ferramentas que permitam a autonomia profissional e financeira.
150 mil refeições quentes
A par da Estratégia Municipal para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2020-2023, a rede de restaurantes solidários criada pela Câmara do Porto serve cerca de 600 refeições por dia. A estimativa, relativa a 2020, cresce desde então, por via da crise sanitária. Ainda em 2020, foram servidas 150 mil refeições quentes, nos três restaurantes solidários da cidade do Porto em funcionamento.
Abertos todos os dias do ano (20.00-22.30 horas), estes espaços servem cerca de 600 refeições por dia. O primeiro restaurante solidário da Câmara do Porto foi instalado em 2017, próximo à Praça da Batalha (na Rua de Cimo de Vila) e é o que tem mais procura (em 2020, serviu, aproximadamente, 280 refeições por dia). Em 2019, a rede alargou-se até ao antigo Hospital Joaquim Urbano, onde funciona o Centro de Acolhimento Temporário (130 refeições quentes por dia). O restaurante solidário da Baixa, aberto em finais de 2020, na Travessa de Passos Manuel, assegura 170 refeições diárias.
O financiamento da Câmara para 2021 fixou-se nos 360 mil euros, investimento superior ao do ano passado, na ordem dos 300 mil euros.
Fonte:
jn.pt